hoje, tudo mudou .
Lembra-te de arrumar a casa quando chegares. Sabes que eu não estarei e talvez chegarás mais tarde. Para que o silêncio pareça menor, para que a solidão não te abraçe por mais do que umas breves horas de sono. Vais chegar embriagado. Vais querer ter o relógio parado. Voltar atrás. Voltar a ter-me, mas sabes que isso não vai acontecer. Sabes que desta vez, erraste. Mais do que todas as outras. Usaste e abusaste. Hoje, quando chegares, vais ver os móveis com o pó acumulado dos longos dias em que me prendia apenas em ti, nada mais interessava. Hoje, vais ver o sorriso que tinha, naquela fotografia, por estar bem junto a ti. Vais ver os meus cabelos espalhados pelo chão. Vais sentir a essência do meu perfume pelo quarto. Vais querer olhar-te ao espelho e ver, ao teu lado, o meu reflexo.Vais querer muito mais do que o que tens. Vais querer o que tiveste. O que era só nosso. Vais achar a cama demasiado grande para o teu corpo. Vais achar que tens pouca roupa, porque o armário está vazio. Vais ver e rever o cartão de memória da tua máquina fotográfica e vais sentir saudade de cada momento. Vais ter na memória tudo o que não foi captado. Vais sentir saudade. Do que outrora fomos. Do que te fiz ser.
Hoje, estás perdido.
Lembra-te de chegar a casa. Promete-me isso.
Deixei de ser o tempo que esperava por ti nos teus atrasos sucessivos.
Hoje, há uma outra casa. Com uma fechadura nova.
[ficção.]